24.5.08

Cortiços: Cia Luna Lunera




A Cia Luna Lunera (BH) montou Cortiços, baseado na obra de Aloísio Azevedo. O grupo convidou o coreógrafo e bailarino Tuca Pinheiro, que fez a direção e coordenação dramatúrgica. O espetáculo faz parte do projeto Observatório de Criação.

Cortiços explora um caminho corporal da abordagem cênica, utilizando também de elementos visuais, como centenas de garrafas com líquidos coloridos, que também fazem parte do discurso. O cenário é um piso de madeira cercado de garrafas, com uma tina ao fundo e sobre a qual cai interminavelmente água, uma escada aberta e, fora dessa configuração, uma quadro negro móvel.

Mas o que vem do teatro? Configuram-se personas, inevitavelmente. E surge uma fábula. Porém, tanto as primeiras quanto a segunda não conduzem a cena num vínculo dramático, mas antes são exploradas áreas fronteiriças, que apontam para o universo do teatro pós-dramático, seguindo as análises de Lehmann. Entre a consecução da personagem com o lugar instilam-se outros espaços, outras referências e discursos, incluindo metadiscursos. Uma das atrizes, por exemplo, utiliza o quadro para marcar as ocorrências e embates dos atores, definindo as escolhas processuais, discursando sobre o processo e colocando dúvidas. Assim, entendo que o teatro não é o lugar opera vinculos entre personagem e lugar. Esta é apenas uma de suas possibilidades: o teatro dramático. Cortiços navega nas fronteiras do sentido, recortando o texto a partir de alguns elementos (o casal, o proprietário, a negra), os espaços etc. A seleção musical dos sambas e a sonoridade mais abstrata configuram, além disso, uma condução do fluxo material e expressivo – um nome mais apropriado para o que chamamos comumente de texto cênico (que não é o texto literário e nem o texto dramatúrgico).

O movimento corporal, por sua vez, tanto comenta a cena quanto produz estados intensivos que realimentam as personas e desfazem, ao mesmo tempo, os vínculos do teatro dramático. Isso ocorre principalmente porque introduz planos heterogêneos à ação dramática. Esta permanece, ora submergindo ora reaparecendo, como se o grupo bebesse nessa fonte já bastante conhecida e, ainda assim, arriscasse a caminhar pelo deserto mais luminoso e árido, onde não há mais personas, mas somente corpos e forças atuando sobre corpos.

2 comentários:

  1. Interessante, Garrocho, essa questão dos planos heterogêneos:
    Fiquei pensando sobre as personas: vozes ploriferam, de onde elas falam? onde emerge voz distanciada? o quadro-negro fala por quem? temos consciência de que, para vamos?

    é um constante movimento de abertura e fechamento..

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  2. Davi,

    Heterogeneidade das vozes, como você diz...

    Quando a persona da mulata canta junto com a trilha sonora o samba, coincidindo e não, parece-me que não é mais a personagem de ficção (da obra literária), mas o discurso da cena. O que me remonta, na análise de Lehmann, a característica pós-dramática de um texto que faz parte do cenário, isto é, da encenação, e não o conteúdo (texto dramático ou literário) convertido cenicamente.

    A armadilha está em pensar por classificação,encaixando coisas somente: domesticar o pensamento. Antes disso, o que você faz é colocar o pensamento em movimento. Não dizer o que é, mas o que se modifica...

    Abraços

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Luiz Carlos