27.4.07

EM BUSCA DO CORPO ANÔMALO




Num post, falei das visões de um corpo no chão. Jan Moura, da Confraria dos Atores, grupo teatral de pesquisa de Cuiabá, comentou o tema, lembrando o treinamento corporal de Eugenio Barba, mestre das composições que perfazem uma corporeidade exra-cotidiana. Coisas que são próximas e distantes. Atravessando a questão, volto à visão daquele post, em busca do corpo anômalo:


PARA UM TEATRO FÍSICO, PÓS-DRAMÁTICO E EXPERIMENTAL, NÃO COMPORTA MAIS A DISTINÇÃO ENTRE UM CORPO COTIDIANO E UM CORPO EXTRA-COTIDIANO, de tal modo que este último estaria somente do lado do que se poderia chamar de corpo-artista, para usar o termo criado por Christine Greiner (2005) para designar uma experiência em criação estética.

Um corpo artista possui habilidades ou treinamentos que o sustentam como tal. Porém, os teatros pós-dramáticos, quando introduzem o real na cena (tudo aquilo que foi excluído do campo da percepção pelo teatro de ilusão), validaram as corporeidades não-artistas (não treinadas numa disciplina artística). Tal corpo pode entrar em estados singulares e anômalos. Dito de outro jeito: há corpos não-artistas em estado de poesia.

Assim como os pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari dizem que “a arte não espera o homem para começar, podendo-se até mesmo perguntar se ela aparece ao homem só em condições tardias e artificiais”, também pode-se dizer que a arte não espera o ofício da arte. A arte contemporânea não cessa de trazer à tona experiências corpóreas não restritas ao corpo artista, tomando este como habilitado pelos ofícios e treinamentos. Ou seja, outros corpos podem entrar na cena por uma via estética, isto é, em criação.

Busco obsessivamente a observação daquilo que chamo de corpóreo anômalo, na trilha apontada por outro pensador, José Gil, numa apropriação do conceito de anômalo em Deleuze e Guattari (1997,b).

SÃO CORPOREIDADES OUTRAS, QUE O TEATRO DE REPRESENTAÇÃO NÃO PODE CONCEBER. Não porque seja pior ou melhor que um teatro não-representacional. Mas em função de cada um criar a sua própria paisagem. Você dirá: pode um teatro não ser uma representação? Teatro-fábrica em oposição ao teatro-interioridade: é essa distinção que se deve fazer, apesar das coisas serem, sempre, passíveis de todas as misturas.

O ANÔMALO NÃO É UMA CATEGORIA NEM DE INDIVÍDUO E NEM DE ESPÉCIE. E também não se diz do anormal, mas antes do desigual (DELEUZE e GUATTARI, 1997). Esses pensadores o conectam à multiplicidade e ao corpo atravessado por afectos: “é um fenômeno, mas um fenômeno de borda”.

A questão passa a ser: como um corpo-artista pode produzir uma corporeidade anômala? Que treinamentos? Por enquanto, somente uma resposta: que o corpo não seja, na cena, apenas um significante para um significado ulterior. Arrisco uma pista: um corpo que produz seus próprios experimentos de esvaziamento de todos sentido que seja prévio. E isso não quer dizer neutralidade. Vale a pena ler Deleuze e Guattari sobre o CsO, o Corpo sem Órgãos.

REFERÊNCIAS
DELEUZE, G. E GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 4. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997.
GIL, José. GIL, José. Movimento total: o corpo e a dança. Tradução de Miguel Serras Pereira. São Paulo: Iluminuras, 2005.
GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Anna Blume, 2005.
DRAMATURGY BEYOND REPRESENTATION:TEXTS, BODIES, SPACES IN
CONTEMPORARY EUROPEAN THEATRE

4 comentários:

  1. Olá Luiz, primeiro obrigado pela citação da minha cia. Estava afastado do mundo virtual por falta de tempo. Mas cá estou novamente.
    Ainda não conheço o trabalho de Deleuze sobre o corpo, mas vou pesquisar, li sobre ele mas para outro viés, da comunicação e sociedade.
    O mais engraçado é como essa não-representação chega para nós. Começamos no teatro a adorar certas técnicas de atuação, dirigidas exatamente para a busca da "imitação" do real, depois rejeitamos essa forma, questionamos-nos, e tal. Buscamos explicações, buscamos a essência, a arte do teatro, não como cópia do real, mas como reflexão do real. E traçamos um objetivo a não-representação. E esse teatro que me satisfaz, e esse teatro que busco.

    ResponderExcluir
  2. Jean,

    Deleuze não focalizou especificamente o corpo. Até porque seu pensamento atravessa o corpo o tempo todo. Um pensador que vai na esteira de Deleuze e que tem o corpo por tema é José Gil. Ele tem estudos sobre dança (Movimento Total - o corpo e a dança, da editora Iluminuras), que são geniais e tem um texto anterior mais cultural ou antropológico, intitulado Metamorfoses do Corpo. O Capítulo 3 de Mil Platôs, de Deleuze e Guattari aborda o conceito de Corpo Sem Órgãos.

    Um abraço

    Luiz Carlos Garrocho

    ResponderExcluir
  3. Foi uma doce descoberta esse blog. Senti na pele a vontade de dialogar mais com você! Mesmo...estou estudando a questão do corpo na arte contemporânea e acho que podemos estabelecer uma interlocução. Um abraço: Bia

    ResponderExcluir
  4. Olha, estou em Portugal. escrevi corpo no chão, no Google e vi essa imagem. Cliquei e caí no seu blog.... Não estou acostumada a esse tipo de coincidência absurda! Um grande beijo, com saudade.
    brisa

    ResponderExcluir

Esta postagem encontra-se no novo endereço do blog. Faça seu comentário lá, de onde eu estou respondendo: http://olhodecorvo.redezero.org/

Para encontrar o post basta digitar na caixa "Buscar" à esquerda no alto do blog.

Agradecido pela sua visita. Volte sempre.

No alto da página à direita tem o link para o blog. E na caixa de "buscar" do Olho-de-Corvo você pode entrar com o título ou palavra-chave que encontrará o post procurado.

Agradecido

Luiz Carlos