8.4.09

Mudança de endereço

Este blog passou a integrar o domínio Rede Zero. Mudou de endereço e de nome:

Olho-de-Corvo > um blog de Luiz Carlos Garrocho


Ou, no endereço: http://olhodecorvo.redezero.org/

Todas as postagens e comentários foram transferidos para o novo blog e domínio. Em breve, os nossos leitores estarão automaticamente recebendo os feeds de Olho-de-Corvo.

A convite do artista de intervenções urbanas, webdesigner e ativista Marcelo Terça-Nada, os meus três blogs passam a fazer parte do Rede Zero.

E por que Olho-de-Corvo? Faça uma visita. Espero você lá.

10.3.09

Indústrias culturais: um texto de Bernard Stiegler

Imagem: Graffit Land

Em tempos de "cultura como negócio", um bom antídoto é o artigo de Bernard Stiegler, que denuncia a miséria simbólica produzida pela indústria cultural. O texto, do qual reproduzo um pequeno trecho, encontra-se publicado originalmente na versão eletrônica do Le Monde Diplomatique:

"Uma fábula dominou os últimos decênios, iludindo em grande parte pensamentos políticos e filosofias. Contada após 1968, ela queria nos fazer acreditar que tínhamos entrado na era do "tempo livre", da "permissividade" e da "flexibilidade" das estruturas sociais, em resumo, na sociedade dos prazeres e do individualismo. Teorizado com o nome de sociedade pós-industrial, esse conto influenciou e fragilizou notavelmente a filosofia "pós-moderna". Inspirou grandemente os social-democratas, querendo dizer que tínhamos passado da época das massas trabalhadoras e consumidoras da era industrial para o tempo das classes médias; o proletariado estaria então em vias de desaparecer. Não somente esse último continua muito importante - levando-se em conta os números - como, pelo fato de os empregados terem se proletarizado fortemente (dominados por um dispositivo de máquinas que os priva de iniciativas e de conhecimentos profissionais), também cresceu. Quanto às classes médias, elas empobreceram. Falar de desenvolvimento de formas de lazer - no sentido de um tempo livre de qualquer obrigação, de uma "disponibilidade absoluta", como diz o dicionário - não é algo óbvio, porque de forma alguma elas têm como função liberar o tempo individual, mas sim controlá-lo para hipermassificá-lo: são os instrumentos de uma nova servidão voluntária. Produzidas e organizadas pelas indústrias culturais e por programas, elas formam o que Gilles Deleuze chamou de sociedades de controle. Estas desenvolvem esse capitalismo cultural e de serviços que fabrica por inteiro os modos de vida, transforma a vida cotidiana no sentido de seus interesses imediatos, padroniza as existências pelo viés de "conceitos de marketing". É o que ocorre com o conceito do life time value, que designa o valor economicamente calculável do tempo de vida de um indivíduo, cujo valor intrínseco é dessingularizado e desindividuado."

8.3.09

Corpo e movimento (e): anotações sobre as tentativas de um encontro



Imagem: Spitfirelas -


Fiquei de escrever sobre o Encontro de Criadores e Coreógrafos do Festival NovaDança, em Pirenópolis.

Na primeira parte faço um relato breve do Encontro, trazendo para a tela algumas coisas que anotei no meu caderno. E na segunda parte apresento algumas questões que me rondaram e ainda me visitam. Não são propriamente as questões da dança, mas aquelas que um pesquisador e criador no campo das fronteiras borradas entre teatro e dança coloca para si.

I. Um exercício de encontro

O encontro se deu com várias "salas" de discussão, experimentação e estudos: composição, improvisação, processo criativo, lugar específico, percursos e deambulações, entre outras. Fizemos um levantamento, primeiramente, daquilo que cada um queria colocar em foco. Depois, filtramos e organizamos uma agenda. Algumas idéias fizeram parte de uma programação coletiva, outras surgiram de oportunidades apresentadas.

Participaram: Dudude Hermann, que foi mediadora e provocadora dos encontros e confluências: Wederson Godoy da Cia Hybridus, Paola Rettore, Thembi Rosa, Margô Assis e este que vos escreve (Minas Gerais); Luciana Lara e Valéria Lehmann (Distrito Federal);Tica Lemos e Marta Soares (São Paulo); Sylvia Fernandez (Bolívia) e Luis Garay (Argentina). Tivemos, ainda, o apoio logístico e de produção de Susana Sarue. O Encontro de Criadores e Coreógrafos da NovaDança é um evento idealizado e produzido por Giovane Aguiar.

Dudude Herrmann apresentou na abertura do Encontro aquilo que posso chamar de programa de vida:"desmanchar a dança dançando", em "perseguir o desaparecimento", deixando "as coisas falarem", na tentativa de "fortalecer suas próprias incertezas". Luís Garay expôs seu modus operandi de criação, que tem por base referências exteriores à dança, como trabalhos de fotografia, música, arquitetura etc. Luís disse que sua criação não consistia propriamente em extrair algo de sua cabeça, mas sim em "falar por meio de outros". No Youtube vemos alguns vídeos dos trabalho coreográficos de Garay, com características pop e irônicas.

Thembi Rosa falou das suas estratégias compositivas, da parceria artística com o marido Canário, do Grivo, que trabalha com música experimental (influenciados por Cage), da necessidde de buscar o instante, de perceber o que muda, além do interesse em saber "como as pessoas fazem as coisas" em dança. Isto é, como trabalham e o que resulta desse investimento. Seus interesses se direcionam para uma pesquisa da presença e dos estados corporais. Tenho sempre assistido aos espetáculos de Thembi, acompanhando suas perguntas. O que me chama a atenção é sua busca acurada, numa visão que inclui o aleatório, as conexões não previsíveis e a resposta do seu corpo.

Marta Soares, professora, coreógrafa e performer, expôs sobre as relações entre corpo e ambiente. Suas referências vêm das artes plásticas, da filosofia e da literatura. Ela conta que busca não mais uma dança baseada no movimento pelo movimento, mas sim a partir de uma imersão naquilo que posso chamar de estados corporais, envolvendo o ambiente. Seu tema de doutorado é o "esgotamento do corpo". Ela coordenou uma "sala" que seria um laboratório num lugar específico, particularmente num ambiente natural, fora do estúdio. O grupo que aceitou o "convite" era formado por Luís Garay, Margô Assis e Wenderson Godoy. Eles vasculharam a região de Perinópolis, encontrando num dos "santuário ecológicos" (mata nativa preservada), numa cachoeira, o site specific. O estudo envolveu as idéias de contenção, deslocamento e composição. O laboratório resultou, então, numa instalação corporal, configurando aquilo que chamo de habitar uma duração.

Wenderson Godoy fez um relato do movimento artístico-cultural de Ipatinga, no Vale do Aço em Minas Gerais. Faz parte do Hibridus, um coletivo de artistas de várias mídias (dança, fotografia, artes plásticas), envolvidos num processo colaborativo de pesquisa, com base em dança e arquitetura.

Margô Assis relatou sua parceria com Luciana Gontijo (a quem devo também uma parceria de quase dois anos, influenciando e modificando meu olhar sobre a corporalidade no teatro). A trajetória de Margô passa pela busca das instabilidades, da pesquisa em parcerias com artes plásticas, nod diálogos com a designer de luz Thelma Fernandes e com o Grivo, num projeto intutlado por ela de "dança precária".

Silvia Fernandez expos suas experiências na Bolívia: as trajetórias da dança moderna, o surgimento do interesse na dança contemporânea e o trabalho de formação. Sylvia falou muito das relações entre a parte rica e pobre da cidade, das várias identidades culturais e costumes que compõem um verdadeiro mosaico e, principalmente, de como a dança pode se haver com esse universo.

Luciana Lana, da CiaAnti-Status Quo de Brasília, também trabalha com o processo colaborativo nas suas criações coreográficas. Há um cuidado extremo na confecção do espetáculo, na pesquisa temática e sensorial. A cada espetáculo, Luciana trabalha com elementos e técnicas diversas. O processo envolve a conjução dos elementos como luz, cenografia, criação corporal e sonoplastia, de tal modo que, segundo me parece, uns provocam os outros. Numa de suas criações, Luciana Lara traz o público para dentro do palco, melhor dizendo, para dentro do palco.

Paola Rettore expôs na "sala" de processo criativo, coordenada por Luciana Lara, diversos procedimentos e meios de criação. Com uma trajetória marcada por dança, experimentações, improvisação, instalações cênico-corporais, vídeos, poemas, desenhos e objetos, Paola mostrou uma produção sem fim. O que ela faz, disse, parte sempre de uma necessidade e nem sempre isso precisa fazer parte dos circuitos convencionais de arte (galerias, palcos etc.). São encontros inusitados, pequenos grupos que aparecem, oportunidades que a convocam etc. Muitas parcerias são com o artista Marcelo Kraiser, como vários vídeos e um dos mais recentes trabalhos, Pequenas navegações. "Meu trabalho é feminino, são pequenas coisas", diz Paola. Esse tipo de relação com a arte, que a reinsere em circuitos outros de vida, produzindo novos agenciamentos, zonas de experimentação. Trabalhos performáticos que são atos que abrem hiatos no cotidiano, a partir de nexos de sentido outros: exemplo disso é a sequência de fotos de seios de mulheres que a visitavam num determinado momento de sua vida. Uma das performances-instalações que mais me chamam a atenção, principalmente do ponto de vista da teatralidade, é a obra-processo Desconsiderare II, realizado no Equador (vide noutra postagem minhas considerações sobre o vídeo que eu vi).

Ainda na sala processo criativo, Dudude Herrmann apresentou seus trabalhos, principalmente o projeto Poética de um andarilho. Neste, ela pretendia "dançar na invisibilidade da dança", descobrindo um "corpo farejador". Como subtítulo de a escrita do movimento no espaço do fora, Andarilho foi uma pesquisa improvisacional em uma situação não dada como a de um espetáculo ou evento de dança, mas "uma dança escondida na dança". Ou seja, a bailarina/performer situava-se em praças públicas e "evitava de impor às relações e ao corpo social o seu julgamento."

Conheci também Valéria Lehmann, uma musicista e soundesigner que fez trilhas sonoras para a Cia Anti-Status Quo. No Encontro ela montou um mini-estúdio sonoro, realizando intervenções, oficinas e performances. Valéria transita da música contemporânea para a música popular tradicional (além do curso acadêmico de música, estuda pífano com o mestre Zé do Pife). Conversamos um bocado sobre música e convergências: Valéria me contou que vê a música popular tradicional numa dimensão contemporânea, fora de perspectiva histórico-cronológica. Assim, há uma radicalidade nessa música que dialoga diretamente, diz ela, com as vertentes mais contemporâneas.

Na "sala" sobre improvisação, coordenada por Paola Rettore, tivemos um belo relato de Tica Lemos. Ela falou sobre sua trajetória em dança, pesquisa corporal e improvisação. Tica é 4o Dan de Aikidô e uma das pioneiras da Contato-improvisação no Brasil. Sua ênfase recai sempre na questão da consciência corporal, que ela associa à Nova Dança. Em diversos momentos abordou aspectos dessa consciência em dança que ela chama de "curativos" - numa "educação somática, de união corpo-mente." Quanto à improvisação, Tica traça uma relação imediata com a composição e com o conceito de intérprete-criador em dança: na quebra da hierarquia entre coreógrafo/diretor e performers. Uma pesquisa que parte das "sensações físicas dos intérpretes". Tica colocou também que o improvisador tem de ter uma "certa calma", ver "que imagens ficam". É necessário um tempo "para achar a coluna" e, então, partir para a composição.

II. Algumas questões

Diversas perguntas me visitaram. Algumas eu tentei trazer para o grupo, mas não foi possível atualizá-las em meio a tantas outras que emergiam, energias que se cruzavam, tensões que puxavam o entendimento etc. Falo, por exemplo, do desafio de compor com corpos que não são treinados em dança. Como eles podem modificar tanto o plano do performer quanto da performance? Trata-se das potências de paisagens visuais e sonoras, nas quais o performer perde ou cede o seu lugar central (da virtuosidade exposta e do espaço existencial que lhe é garantido pela "arte") para abrir um pouco de caos no seu mundo. Corporalidades outras possuem essa potência. O que pode soar como um "ultraje" para quem foi treinado anos e anos no campo da apresentação artística. Ou como "piedade" (visão assistencialista da arte), ou, ainda, como novas codificações. Não, trata-se de outra coisa.

A Poética de um andarilho, de Dudude Herrmann apresenta uma convergência nessa questão. A performer não se sobrepõe ao espaço, aos outros. Obviamente que era, pelo que percebemos do seu relato, cada vez mais empurrada numa espécie de transe naquele espaço, principalmente quando entram os objetos, o estandarte etc. Mas é um princípio interessante. Esse interesse, ao qual exponho aqui, tem por fundo as criações cênicas de Robert Wilson nos seus primórdios. Um autista foi um dos seus parceiros de criação, para dar somente um exemplo. E tem a ver com o reconhecimento de outras poéticas corporais. Não estou falando de movimento, de habilidades ou desabilidades, dos códigos que têm seguido a dança por esses caminhos...

Paola Rettore, para dar outro exemplo, tem aberto vias não codificadas no circuito espetacular. Ela trabalha noutro registro, que leva para essas paisagens. Não é um trabalho para a distinção de egos, mas de profunda humildade do performer em deixar revelar o outro que não domina suas ferramentas. O que exige, antes de tudo, um grande domínio de uma técnica outra: a de deixar o espaço falar, no caso, o espaço do outro...

Andei pesquisando alguns elementos nessa direção: na intervenção cênico-urbana Fudidos, na região da prostituição pobre de Belo Horizonte, envolvemos grupos humanos como eles vivem cotidianamente. Havia uma cena, por exemplo, em que as prostitutas discursavam no microfone, defendendo a profissão diante da cidade. No final, um grupo de garis fechava varrendo e dançando nas ruas, enquanto uma gravação exibia a voz de Nelson Cavaquinho, com o seu Juízo Final e o público dançava junto, com o apitos que haviam sido utilizados por ele na cena anterior. Posso lembrar aqui, também, de um laboratório de criação que realizei há alguns anos com uma jovem psicótica: relatei essa experiência na minha dissertação de mestrado, de como aprendi sobre o tempo lento e no seu desdobrar para as pequenas percepções.

Paulo Rocha, ator e performer, me chamou a atenção, uma vez, para a noção de ready-made performático , uma expressão cunhada pelo artista plástico Yftha Peled. Ele dá como exemplo, principalmente, o que ocorre com o casal de profissionais pornôs que atuaram num espetáculo do Teatro da Vertigem.

Porém, mais do que introduzir elementos do real (da não ficção) numa cena, trata-se de pensar novos agenciamentos em arte. Principalmente aqueles que não foram previamente programados. Um corpo estranho à dança, por exemplo. Um corpo comum e, ao mesmo tempo, um corpo singular.

O que isso tem de importância para a arte e para aquilo que pode nos surpreender? O encenador Peter Brook disse, numa visita ao Brasil, que não há algo mais interessante do que observar seres humanos. Não em termos de observação cotidiana simplesmente, mas de como um corpo humano pode tomar uma presença na cena. Ele nos ensinou a olhar simplesmente. E o fez com a pessoa que o entrevistava. Aquilo me modificou profundamente. Percebi que precisamos mexer demais, mostrar demais, querer se expressar etc. Mas nada disso tem a real grandeza de um ser humano, na sua singularidade, diante do nosso olhar.

No caso, acredito que devemos buscar os corpos em situações e/ou devires minoritários. Então, artista, você aceita o desafio?

Por fim, só posso dizer que a diversidade é infinita. E que um exercício para o pensamento seria o de evitar a armadilha de deduzir da diferença a identidade. Conseguiríamos, no máximo, confortar aquilo que já sabemos.

E para encerrar, cito o vídeo de Daniel Lepkoff (EUA), exibido numa das "salas". Pude ver algo que modifica completamente o lugar da dança e do movimento (e do corpo). Fiquei impressionado com a sutileza da pesquisa, em termos de consciência corporal que segue sua própria fisicalidade.

As questões continuam.


22.2.09

Duração & Diferença: novo blog sobre artes cênicas e filosofia

Tadeusz Kantor e A Classe morta

Duração & Diferença: criação cênico-corporal e filosofia é o novo blog que estou lançando. Nasce com um post-homenagem ao encenador Tadeusz Kantor.

Resolvi criar esse blog porque a parte de artes cênicas estava se diluindo um pouco nesse espaço. Considerei, então, que seria melhor um blog dedicado exclusivamente à criação cênico-corporal, incluindo as conexões com a filosofia.
O novo blog faz parte da Comunidade Rede Zero, que tem Marcelo Terça-Nada à frente.

Esta publicação em tela continuará dedicando-se às militâncias em arte e cultura, aos nomadismos, às zonas de experimentação e à micropolítica. Na cesta, tem ainda a publicação Cultura do Brincar, cujo tema está indicado no título, mas que inclui assuntos correlatos, como o teatro e a educação.

Aguardo suas visitas, sugestões, críticas e comentários.

21.2.09

Blanchot: pensar a força


... se a "força" exerce sobre Nietzche a atração que também lhe repugna ("Ruborizar-se com o poder") é porque ela interroga o pensamento em termos que irão obrigá-lo a romper com sua história. Como pensar a "força", como dizer a "força"?

A força diz a diferença. Pensar a força é pensá-la por meio da diferença. Entenda-se isso inicialmente de um modo quase analítico: quem diz a força, di-la sempre múltipla; se houvesse unidade de força, não haveria força. Deleuze exprimiu isso com uma simplicidade decisiva: "Toda força está em relação essencial com uma outra força. O ser da força é plural, seria absurdo pensá-lo no singular." Mas a força não é apenas pluralidade. Pluralidade de forças quer dizer forças distantes, relacionando-as umas às outras pela distância que as pluraliza e que as habita como a intensidade de sua diferença. ("É do alto desse sentimento de distância", diz Nietzsche, "que nos arrogamos o direito de criar valores ou de determiná-los: que importa a utilidade?"). Assim, a distância é o que separa as forças, é também a sua correlação - e, de maneira mais característica, é não apenas o que as distingue de fora, mas o que de dentro constitui a essência da sua distinção. Dito de outro modo: o que as mantém à distância, o exteriror, é sua única intimidade, aquilo pelo qual atuam e se submetem, "o elemento diferencial" que é o todo de sua realidade, não sendo portanto reais senão quando não têm realidade em si próprias, mas somente relações: relação sem termos. Ora, o que é a Vontade de Potência"? "Nem um ser, nem um devenir, mas um pathos": a paixão da diferença.

Maurice Blanchot


Blanchot, Maurice. Reflexões sobre o nilismo, in A conversa infinita - vol. 2. Tradução de João Moura Jr. São Paulo: Escuta, 2007.

Imagem: Kandinsky

Mais referências:
Site Maurice Blanchot (e seus contemporâneos) - em francês
Espace Maurice Blanchot - em francês e espanhol
Espaço Maurice Blanchot - português
Enigmatic French writer committed to the virtues of silence and abstraction. The Guardian. Obctuary
LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

7.2.09

Festival Novadança: Encontro de Criadores e Coreógrafos


O Festival Novadança, de Brasília, sempre promove o Encontro de Criadores e Coreógrafos: um tempo e um espaço para acontecer coisas, expor idéias e pesquisas. Desta vez, o evento ocorre em Pirenópolis. É uma imersão de 07 dias, mais de 10 horas por dia, em temas da dança e suas conexões. Coragem, diria o meu amigo André Ferraz! A direção do Festival me convidou para participar do Encontro. Estaremos lá, entre os dias 09 e 15 de fevereiro, discutindo as fronteiras da criação, do movimento e do corpo, assim como as transdisciplinaridades.

Posso adiantar algumas questões que têm me tomado nestes dias: as possíveis conexões entre a pesquisa improvisacional e os estudos relativos ao campo da emergência e da meta-estabilidade, as poéticas dos corpos não treinados, oTeatro Físico, os estudos de composição e indeterminação (Cage) etc. No entanto, num encontro desses, acredito que o melhor é sintonizar-se com o não-pensado - deparar-se com o fora, como diz Blanchot. Aliás, nossa vida é criar estratégias para isso: olhos novos para o novo.

30.1.09

Economia da cultura: do mercado e da proteção à diversidade



A economia da cultura apresenta a visão de uma rede intrincada de bens, serviços, processos e produtos, modificando por completo visões assentadas sobre a oposição binária entre mercado e não-mercado.

Faço algumas anotações sobre o tema, tendo em mente a questão da proteção e da promoção da diversidade cultural, incluindo os novos agenciamentos artístico-culturais:

1. Há um texto de Lala Deheinzelin intitulado Economia criativa e reinvenção da economia, que nos traz elementos novos para a análise do tema,do qual reproduzo um trecho:
"O tangível/material é finito, limitado, portanto gera disputa por sua posse, conduzindo à competição como elemento central na política, economia e, infelizmente, na vida cotidiana. Já o intangível é ilimitado, e pode ser o caminho para novos modelos baseados em cooperação. Quando somado às tecnologias digitais (e bits também são infinitos) temos uma infinitude de opções colaborativas e surge um novo termo: “economia da abundância” que pode originar modelos mais solidários de viver."


2. Outro texto muito interessante, este de George Yúdice, Economia da cultura no marco da proteção e da promoção da diversidade cultural, no qual ele articula as atividades que têm por natureza a propriedade intelectual com aquelas que não visam lucro. Há trânsitos e passagens entre umas e outras, bem como conexões.

Nesta trilha, cito o documento da Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da Unesco, de 2005 e ratificado pelo Brasil.

3. A análise de Yúdice tem por essência os usos da cultura. Ele retoma o sentido pragmático, é verdade, mas apontando para a dinâmica criativa de reinvenção da própria sociedade através da cultura.

Fora do espaço corporativo das artes, com suas trincheiras já definidas, há todo um espaço para os novos agenciamentos culturais. Falo precisamente de toda uma dinâmica cultural e artística que passa pelas experimentação das linguagens, pela busca de novas formas de sociabilidade, pelo fortalecimento da auto-estima de indivíduos, grupos e povos, pelo compartilhamento de experiências, tempos e espaços etc.

4. O que os estudos sobre a economia da cultura podem nos ajudar a ver, antes de tudo, é a enorme potencialidade das transversalidades, das portas e conexões, das passagens, enfim. Nesse sentido, precisamos superar as visões do tipo mercado x não-mercado.

5. O capitalismo pós-fordista tem modificado rapidamente as forças produtivas na economia: requisita-se a alma do trabalhador, sua inventividade e criatividade. Modula-se a produção pelo desejo e não pela massificação. O que é um blog, por exemplo, senão a coincidência do criador e consumidor, espaço de criação no qual cada um pode expressar seus valores, suas opções e paisagens habitadas? Peter Pal Pelbart lembra que essa força criativa não vêm do capitalismo e nem do Estado, mas das próprias pessoas, de sua energia liberada. A noção de capital se expande:

"Por exemplo, quando um grupo de presidiários compõe e grava sua
música: o que eles mostram e vendem não é só sua música, nem só suas histórias de vida escabrosas, mas seu estilo, sua percepção, sua revolta, sua causticidade, sua maneira de vestir, de “morar” na prisão, de gesticular, de protestar – sua vida. Seu único capital sendo sua vida, no seu estado extremo de sobrevida e resistência, é isso que eles capitalizaram e que assim se autovalorizou e produziu valor. Nessa perspectiva, se é claro que o capital se apropria da subjetividade e das formas de vida numa escala nunca vista, a subjetividade é ela mesma um capital biopolítico de que cada vez mais cada um dispõe, virtualmente, sejam os ditos periféricos, ditos loucos, detentos, índios, mas também todos e qualquer um e cada qual com a forma de vida singular que lhe pertence ou que lhe é dado inventar – com conseqüências políticas a que determinar."

Obviamente, que o capitalismo não cessará de ampliar também os limites de controle sobre as forças produtivas liberadas nos fluxos desterritorializantes do capital.

Por isso Deleuze não pensa por oposição binária, mas sim por diferença. O par territorialização e desterritorialização: um percorre sua velocidade até transformar-se no outro. "A relação diferencial é uma relação de diferenciação recíproca" (Derrames - entre el capitalismo y la esquizofrenia). O capitalismo libera forças e ao mesmo tempo procura codificá-las... Produz novas estratégias de captura do desejo, transformando a energia liberada pelas singularidades em mais lucro. Transforma a inventividade que requisita dos sujeitos em novas modalidades de assujeitamento. Deleuze segue dizendo, nos seminários de dos anos 70-80, que "
"o capitalismo não tem limite exterior, tem somente limites
internos que são os do próprio capital. E esses limites internos sempre são reproduzidos em escala mais ampla."

É nesse campo que devemos entender o papel dos novos agenciamentos artístico-culturais. E como tudo o mais, eles não atuam de fora do sistema: mas de dentro. Qual o seu potencial de afirmatividade e resistência? Dependerá das estratégias, das condições, da capacidade de mobilizar energias criativas.

7. Os novos agenciamentos surgem em diversas modalidades: a demanda por inclusão através da cultura, a cidadania, os movimentos sociais, as lutas de opção sexual, as correntes imigratórias, os refugiados e outros mais, incluindo os direitos à recusa... Apresentam-se não como identidades, como muitos ainda acreditam, mas como máquinas de guerra em prol da reinvenção de si e do social.

Daí a importância da economia da cultura para o mapeamento das políticas públicas e o redirecionamento de investimentos. E por isso, numa esfera, entendo e me torno solidário da gestão Gilberto Gil e agora, continuada por Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura, quando defendem a proteção e a promoção da diversidade cultural.

8. Lala
Deheinzelin mostra que estamos diante de um novo contexto:

"A própria economia terá que ser revista, já que uma de suas definições era 'gestão dos recursos escassos'. Criatividade e cultura são recursos abundantes, especialmente nos países do hemisfério sul, e representam um enorme patrimônio, que pode provocar uma revisão no conceito de riqueza e pobreza. Recurso é muito mais que dinheiro e deve incluir as dimensões sócio-cultural, social e ambiental."

9. A rede é intrincada. Tem a ver com a apropriação do Estado pelas forças da sociedade. Afinal, como diz Deleuze, o capitalismo sempre será capitalismo de Estado. Mas a velha tendência é que tais apropriações ocorram nas esferas corporativas. Afinal, elas têm discussão historicamente acumulada. Daí a responsabilidade pública de abrir outras linhas de participação e financiamento que promovam e protejam a diversidade cultural.

10. Volto à questão: a oposição mercado e não-mercado. Já pensou que mercado deveria ser espaço de troca, de se mostrar, sem ter que necessariamente de se vender?

Isso não pára aqui. Há muito porvir.

17.1.09

Que nome dar a isso?



Israel, ao anunciar o cessar-fogo unilateral, disse que lamenta a morte de mais de 1200 civis (contra três soldados e três civis do lado isralense) e que não é inimiga dos palestinos.

Em seguida ao anúncio, as tvs noticiam que várias escolas, com bandeiras da Onu, foram bombardeadas, matando mais crianças!

Que nome damos para isso?

A situação pode ser complexa, controversa, mas a matança de crianças tem que ter um nome. Algo que possa clarear nossas consciências e eliminar toda confusão.

15.1.09

Verão Arte Contemporânea: edição 2009


Verão: Arte Contemporânea está na sua terceira edição. O projeto, que é apoiado pelo Fundo Municipal de Cultura, ampliou sua programação e os espaços de atuação.

No começo, em 2007, Verão Arte abriu uma pequena fresta, juntando nada mais nada menos que uns 30 coletivos e artistas individuais para uma causa que parecia absurda: abrir espaços para mostras de arte contemporânea na cidade sem uma verba para a realização. Em 2008 a dose se repetiu, mas corria o risco de não conseguir uma sobrevida. Sem verba com poucos espaços disponíveis, torna-se difícil levar adiante um sonho, por mais que todos se envolvam e acreditem no seu poder de mobilização e invenção. No entanto, a adesão cada vez maior de público e mídia espontânea, com uma presença jovem marcante, juntamente com a determinação de Ione Medeiros e de todos os envolvidos, o projeto mostrou-se promissor. A ampliação da programação, a adesão de mais grupos culturais com seus espaços próprios, incluindo novas parcerias e a aprovação no Fundo de Projetos da Fundação Municipal de Cultura, tudo isso trouxe força e alento para o Verão Arte.

Ganha a cidade, com mais opções de cultura e arte. Ganha em diversidade, com manifestações e mostras que tanto perpassam o mundo do espetáculo quanto o ultrapassam em formatos não comerciais, como as intervenções urbanas, os duelos de MC e outras. Ganha em ludicidade, informação, reverberação de sentidos inusitados (uma abertura com um desfile de modas concebido obra de arte e performance) e liberdade. Tudo isso comprova que há espaço para todo mundo e que Belo Horizonte comporta a coexistência de várias manifestações e projetos culturais num mesmo período. Se um sujeito já não é um somente, mas muitos no mesmo indivíduo (e a publicidade já lucra com isso há bastante tempo!), porque uma cidade não o poderia ser?

Confira as atrações do Verão Arte Contemporânea.

2.1.09

Potências da abstração

Jean-Luc Godard, em A nossa música, apresenta um texto maravilhoso que nos remete às forças e potências da abstração em arte. No reverso do que muitos pensam, a abstração pode ser simultaneamente concreta, isto é, uma expressão de linhas sensíveis.

O que me fascinou no texto em tela, sem falar na imensa beleza desse filme, é que ele nos convida a pensar em termos de sentido e não de significação. Tomo isso não só para os encontros vivos, mas também e principalmente em relação às poéticas performáticas. Estas justamente surgiram como rupturas no logocentrismo que domina a linguagem e a vida, inventando meios de resistência e de sentido. As pessoas falam comumente em "comunicação" e também em "representação", como se disso tratasse a arte. Godard subverte tais ditames no cinema com a maestria, o lirismo e a audácia que lhe são característicos.

Na cena de A nossa música, vemos uma adolescente com roupas contemporâneas folhear um livro de arte, enquanto a voz em off diz:

"É uma camponesa da época do Segundo Império que disse ter visto a virgem.
Perguntam como ela é e Bernadete diz: -Não sei dizer. A madre superiora
e o bispo mostram a ela reproduções de grandes pinturas religiosas: a Virgem de
Rafael, de Murilo e por aí vai. Bernadete diz para todas: - Não, não é ela!
De repente surge uma Virgem de Cambray, um ícone. Bernadete se
ajoelha e diz: -É ela, Monsenhor!
Sem movimento, sem profundidade, nehuma ilusão. O sagrado."

Referências
Nossa música - Ficha Técnica - Título Original: Notre Musique Gênero: DramaTempo de Duração: 80 minutosAno de Lançamento (França): 2004Estúdio: Les Films Alain Sarde / Canal+ / TSR / Vega Film AG / Avventura Films / Peripheria / France 3 Cinéma Distribuição: Wellspring Media Direção: Jean-Luc Godard. Roteiro: Jean-Luc Godard Produção: Alain Sarde e Ruth Waldburger Música: Julien HirschDireção de Arte: Anne-Marie MiévilleEdição: Jean-Luc Godard.
Nossa música - revista Contracampo de cinema
Nossa música - Godard. Documentário e ficção no cinema moderno.