31.10.08

Irrepresentável: a performance de Macarena Campbell e Pedro Bastos


Imagem: Pedro Bastos

500 palavras numa bolinha de ping-pong: a performance de Macarena (Zikzira) e Pedro Bastos (Cia Hibridus) no Espaço Ação da Cia Zikzira, dentro do Projeto Solilóquio.

A primeira parte é um solo de Macarena. Ela começa pisando num pequeno círculo feito de papeizinhos coloridos. A partir disso anda em direção a uma vidraça (fundo da cena e da sala do Espaço Ação) e, de costas para a platéia, executa alguns movimentos com um doss braço. Já de início estamos colocados no jogo: a solidão. E digo com Deleuze: solidão povoada.

Macarena vai nos conduzindo por uma série de paisagens produzidas através de impulsos corporais. Vemos aqui todo o estilo do Zikzira Teatro Fisico: as ações físicas de Grotowski num plano no qual coincidem o corpo imanente e o corpo manifesto.

Fernada Lippi que, juntamente com André Semenza, trabalhou como orientadora dos performadores (nas sua palavras), tem traduzido para si mesma e para aqueles com quem compartilha sua maestria artesanal, os conhecimentos sobre o caminho das pulsações corporais.

Aliás, a performance de Macarena não tem nada a ver com dança e menos ainda com teatro: não há caracterização, não há drama em desenvolvimento, não há conflito.No caso, temos um teatro físico - mas um teatro singular. Não tem modelos.

Fernanda Lippi diz que o projeto Solilóquio abre para o público as ações físicas, inspiradas na Arte como Veículo de Grotowski. Ações intimas, quer dizer, que nascem do jogo do performer com suas lembranças. Poderíamos dizer, inspirados em Bergson: matéria e memória. No caso das physical actions, Lippi refere-se mais ao estado de descoberta, de auto-devassa, que não teriam por destinatário um público, uma audiência. Solilóquio vai inverter isso: coloca o performer com todo esse universo íntimo em contato com o público.

Macarena conduz suas pulsações numa linha em que assume a consequência de cada ato. Não estamos falando de causalidades, mas de atos poéticos que têm consequências tanto para quem atua quanto para quem assiste. E isso difere muito da dança. Não que o ato de dançar seja um ato sem conseqências para o bailarino. O que difere, aqui, é que instaura-se não um plano de abstração, mas de pulsações que conduzem aos limiares de um ser no estado da paixão. Ou seja: o performer não atua, mas é arrastado (isso quer dizer paixão) para estados outros, paisagens outras.

O que permite a nós espectadores produzir um sentido sobre o ser que sofre a ação. Para alguns isso pode gerar uma estória. Neste caso, a minha história seria diferente da sua. O que para o Grotowski da fase do Objetctive Drama não faria sentido. Quando uma cena não estava clara, ele pedia que os performers voltassem com a coisa mais definida, de tal modo que cinco pessoas que assistissem vissem a mesma coisa. Ou será que ele queria dizer que as ações deveriam ser claras e precisas para mais de um espectador e não necessariamente sua significação? Ou seja, eu sei que ele cai, levanta-se, dirige-se ao outro, desvia-se etc.

Há que se debruçar sobre isso em outro momento.

Poderíamos falar de personagem? Somente no sentido de que se trata de um actante estado, como diz Matteo Bonfitto em o Ator compositor. Mas, poderíamos dizer mais: personagens-larvares, inspirados em Deleuze. De minha parte, interessam-me os fantasmas famintos. Mas isso é outra história, que tem a ver com minhas buscas dos seres ficcionais.

Cabe também dizer que os ritornelos de Macarena - e é precisamente isso, esqueçamos essa idéia de "partitura de ações físicas" - não servem como fundo para uma caracterização que venha a cobrí-los e, assim, estabelecer a cena/criação teatral. Não há fábula (mas há fabulação). Macarena vem do campo da dança, assim como Fernanda Lippi. Mas abandonam o bailado e a abstração. Entretanto, não chegam a atualizar o jogo completamente numa personagem épica ou psicológica. O aspecto larvar permanece puxando as forças de individuação (que atuam, que ocorrem).

Quando Macarena termina deitada no fundo, exaurida, Pedro Bastos entra, fecha as paredes com pretas, inclusive a do fundo, onde repousa a performer. Estamos agora numa caixa preta. São projetadas imagens no chão - e vemos que isso tem a ver também com a performance de Macarena. Ele se expõe no filtro de uma imagem projetada e incia uma série de ações.

Pedro interage com o universo da mídia com a qual ele trabalha: imagens computadorizadas. Ele pega os papeizinhos coloridos do círculo (papéis post-fix) e vai enumerando três classes de temas: uma cor para as coisas que gosta, uma cor para as coisas que não gosta e outras para as coisas vazias. E vai nomeando sensações, objetos, experiências (parece-me que surgidas na convivência com Macarena num espaço fechado de laboratório). Tudo isso é transformado, sempre no plano do chão, em imagens que se movimentam.

Na conversa aberta ao público posterior às cenas, Pedro Bastos referia-se a seu trabalho como perfomer em termo de "tarefa". Antes um fotógrafo e um pesquisador de imagens computadorizadas, Pedro Bastos define-se como um performer que opera por tarefas e não propriamente por personagens ou movimento (dança).

Aparecem, aqui, dois procedimentos ou operadores de uma performance como linguagem: a ação do performer como pulsações corporais e como tarefa. São também dois planos de imanência distintos - e no entanto, estão os dois no mesmo plano do corpo manifesto.

Cabe lembrar que grande parte do teatro performativo opera com tais planos de criação. O Wooster Group, por exemplo, entende a ação do performer justamente como uma tarefa a ser realizada: não há interpretação.

Na conversa aberta ao público os performers expuseram as idéias geradoras do trabalho. Pelo que pude entender, partiram justamente de uma imagem de um dos participantes, um biólogo que fazia parte do grupo de trabalho. Ele conta que na escola o castigo era escrever 500 palavras numa bolinha de ping-pong. Ficaram com essa idéia na cabeça e foram se contagiando por outras. Essa a marca essencial de um trabalho colaborativo: o grupo é contagiado por idéias, lembranças, imagens e afectos compartilhados. E o que é mais interassante: nada disso estava representando na cena.

O que pudemos compartilhar é da ordem do irrepresentável.

27.10.08

Augusto de Campos e Noigandres - vídeo de Cristina Fonseca




Referências:

Do Youtube: No trecho de um vídeo de Cristina Fonseca (Poetas de Campos e Espaços, 1992), Augusto de Campos faz a leitura, em provençal e português, de uma estrofe da Canção XIII do trovador Arnaut Daniel e trecho do
Canto XX de Ezra Pound.


16.10.08

Corpo sem Órgãos (1): um texto de Esther Díaz

"El deseo es entonces una producción social. La producción deseante se organiza mediante un juego de represiones y permisiones. Tal juego carga energía libidinal en la sociedad. La carga de deseo es “molar” en las grandes formaciones sociales y “molecular” en lo microfísico inconsciente. Lo molar es deseo consciente, representación de objetos de deseo, y se origina a partir de los flujos inconscientes del deseo o cuerpo sin órganos.

El cuerpo sin órganos es el inconsciente en su plenitud, esto es, el inconsciente de los individuos, de las sociedades y de la historia. Se trata del deseo en estado puro, que aún no ha sido codificado, que carece de representación o de “objeto de deseo”. Es el límite de todo organismo; porque cuando ya se es organismo, la pulsión inconsciente está codificada, aunque el cuerpo sin órganos siga delimitando el plano de organización de los individuos. El cuerpo sin órganos no es erógeno, porque “erógeno” o “sexual” ya son codificaciones. Como antecedente conceptual el cuerpo sin órganos de Deleuze y Guattari tiene como antecedente histórico la voluntad de poder nietzscheana y –cambiando lo que hay que cambiar- la sustancia de Spinoza. El cuerpo sin órganos es un inconsciente no personalizado que palpita en cualquier forma viva.

La matriz de toda carga de energía libidinal social es el delirio. Delirio, aquí, no se entiende como categoría psicológica individual, sino como categoría histórico social. El delirio se desplaza entre dos polos, uno tiende a homogeneizar el deseo de las grandes poblaciones desde los centros de poder y el otro trata de huir de esa masificación deseante codificada, siguiendo alguna posible línea de fuga del deseo (molecular). El delirio es el movimiento de los flujos del deseo. Puede ser paranoico, esquizofrénico o perverso. Pero tampoco estas categorías refieren a entidades psicológicas individuales, ni tienen connotación de “enfermedad” (por lo menos, no de enfermedad subjetiva), se trata de distintas modalidades del deseo que se manifiestan en lo social."

Esther Díaz - Gilles Deleuse: Pós-capitalismo y deseo -

14.10.08

Eduardo Fukushima: repercussões

De Clésio Luiz S. Júnior, sobre a performance Entre Contensões:

"Há algum tempo venho me interessando e intensificando pesquisas em
Grotowski. Pude conhecer o Zikzira e acabei por encontrar o seu blog, que aliás tem ótimo conteúdo e dicas acerca da arte do ator nas suas mais diversas vertentes, e acabei me associando a ele [por isso recebi seu artigo].

Também fui conferir o Eduardo Fukushima - e me aproximar da Zikzira para fomentar minhas pesquisas - e de fato, o trabalho dele é bastante peculiar no que diz respeito à dança. As ações físicas são uma prática no teatro, já a precisão de uma partitura ou uma sequência de movimentos precisos pouco se vê nesse mesmo teatro.

O interessante em Fukushima é que sua partitura de ações físicas conta com uma expressividade lotada de signos e é isto que faz a diferença em sua dança, mais do que ritmo e movimento, a dança de Fukushima é rica de gestos e significados.

Ouvir Eduardo, Helena, Zikzira e a platéia alimentou ainda mais as idéias e sensações daquela noite. No que diz respeito ao seu comentário sobre "religião" tendo a endossá-lo. Há, de fato, no trabalho de criação do ator/bailarino, do artista de modo geral [artista no sentido puro da palavra], uma relação imaterial e de transcendência ou, pelo menos, de uma metafísica da interioridade que coloca o sujeito artista em convergência com seu ego, com seu eu, tornando a consciência de si e do mundo um tanto mais aguçada."

8.10.08

Entre contenções: a poética de Eduardo Fukushima

No Zikzira Espaço Ação, pude assistir à dança-performance de Eduardo Fukushima, seguida de debate com ele, Helena Katz e público.


Por que chamo de dança-performance? Porque já é uma dança outra: os movimentos são contidos, com alguns deslocamentos em linha, onde atuam gestos e forças. Falo de uma dança outra porque se trata de pura singularidade. Não se parece com nada.

De minha parte, digo que a performance/dança de Eduardo me retira de todos os lugares convencionais do que se chama dança. De sua expressividade idealizada, dos movimentos que começam sempre pelas pontas e envolvem articulações etc. Daquilo que eu sei - por hábito, por memória - isto é dança!

Fernanda Lippi e André Semenza do Zikzira Teatro Físico, falaram do projeto Solilóquio: das actions de Grotowski, mas que, diferente dele que buscava a Arte como veículo, seriam realizadas diante do público. O Zikzira proporciona, assim, as trilhas para algo que já não é mais dança, que já não é mais teatro...

Helena Katz fez observações e perguntas diretas a Eduardo, a respeito do seu processo de criação. Ele contou-nos um pouco de sua história, dos seus procedimentos criativos, do seu processo de trabalho. Uma história que é uma vida, com seus traços e embates. Helena Katz falou de algo que me chamou muito a atenção: sobre as informações conectadas por hábito, como ocorre não só nos movimentos cotidianos mas, também, no universo da dança, e que Eduardo Fukushima subverte tão bem.

No meio das discussões que acabariam por remeter tais expressividades a um universo pessoal, Marcelo Kraiser, na platéia, lembrou que a arte levava antes a um impessoal.
Eduardo cria uma paisagem que pertence somente a ele, sem ser contudo, justamente, da ordem do pessoal.

O que eu vejo na criação de Eduardo Fukushima: se todas as religiões do mundo acabassem - e já acabaram, apenas que elas não sabem disso - ele teria inventado uma: a sua dança. Mas essa seria uma religião que não serviria para ninguém. Somente para ele. E é uma coisa do deserto. Algo do maravilhoso.

2.10.08

Estarei lá: Eduardo Fukushima no projeto Solilóquio

Zikzira Espaço Ação traz no projeto Solilóquio o performer paulista Eduardo Fukushima, nos dias 04 e 05 de outubro, às 20 horas. No dia 04 haverá um debate com Helana Katz.

Agenda:
EDUARDO FUKUSHIMA – SOLILÓQUIO
Data: 04 e 05/10 (20h)
Local: Zikzira Espaço Ação (Rua Laplace, 18A - Santa Lúcia / BH-MG)
Contato: (31) 3293-0833
ENTRADA FRANCA - Os ingressos podem ser retirados 1 hora antes do espetáculo. Censura Livre.