Medeiazonamorta
Conversamos sobre alguns planos, relativos à configuração do pensamento teatral que o grupo coloca em cena. O coletivo de artistas intitula as apresentações de Temporada Laboratório e, segundo Leonardo Lessa, ator e um dos fundadores do Grupo, o espetáculo é uma obra em processo. Em cada espaço, o espetáculo se desfaz e se refaz. Batemos uma bola, com alguns toques e lances do tipo:
1. A definição de uma obra em processo. O que difere de uma concepção de arte como obra acabada, mesmo que aberta (ecos de Eco...) etc. No procedimento da obra em processo, não há a manutenção de um espetáculo que deve corresponder sempre ao seu projeto inicial. O não-acabamento (que não quer dizer mal acabamento) é o que define a obra.
2. O plano de composição cênico: conversamos sobre teatros épico-dramáticos e teatros pós-dramáticos. Me vem à cabeça que o Teatro Invertido, parte para um teatro pós-dramático, seguindo a análise de Lehmann. Num teatro dramático (e épico) há três fatores que não arredam o pé (ou desconfigurariam a forma clássica): a) o vínculo entre personagem e lugar; b) o texto vem da boca da personagem e está à serviço de sua construção (social e/ou psicológica), ou, ainda, funciona como descrição da ação, como no épico; d) há um vínculo interno entre a forma teatral e a forma dramática (desenvolvimento da continuidade das ações por coerência lógica e conflito). A forma épica não deixa de ser um teatro dramático. Entretanto, nada disso, pelo que vi, encontra-se em Mediazonamorta. Diferentemente de outras produções do grupo, esta aponta para outro tipo de configuração mental do teatro. O coletivo de artistas adentrou em outra zona de criação cênica. Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que não há julgamentos aqui: a forma dramática não é melhor ou pior que a forma não-dramática de teatro. Apenas cumprem planos de poesia diversos.
3. O plano de caos que a encenação cria. Ele possui potências corrosivas.
5. O plano corpóreo e a visceralidade das ações.
Falei desses planos e de suas relações com o texto falado pelos atores. E da força poética de certas imagens que a encenação proporciona.
Há mais ou menos dois anos, um curador de um festival de arte e cultura de Barcelona (Espanha) fez uma visita ao Centro de Cultura Belo Horizonte, no qual eu estava à frente com uma bela equipe de trabalho. E o que ele me disse? Que Belo Horizonte era uma cidade na qual predominavam as comédias teatrais. Contestei isso. Nada contra as comédias, mas não corresponde à realidade de criação cênica da cidade. Então, ele me desafiou: - Vamos abrir um jornal! E completou: - Onde estão os grupos e as criações de que você me fala?
Foi um aperto, confesso. O momento em foco não estava nada bom, pelo menos na mídia impressa. Assistindo Medeiazonamorta, que se propõe a um espetáculo visceral, virulento e de uma poética que passa pelos planos da materialidade cênica, vejo que Belo Horizonte não é uma conformidade com a mesmice. O mesmo posso ver nos esforços dos artistas que estão criando, ao lado do Circuito Off, o quase-festival Verão Arte Contemporânea.
Ei, se liguem. Há vida inteligente em Belo Horizonte. Há artistas correndo riscos, saindo dos lugares comuns, realizando produções independentes, experimentando.
Bibliografia: